domingo, 18 de janeiro de 2009

Lira Brasileira

afiliada artculturalbrasil

sábado, 17 de janeiro de 2009

Respondendo e-mails

RESPONDENDO E-MAILS

Tenho recebido uma série de e-mails relacionados a artigos publicados no Blog do ArtCulturalBrasil que, aliás, vem obtendo extraordinário sucesso no mundo cultural, pelo que parabenizo seus mentores.
Resolvi responder aos leitores através do blog, uma vez que a ele diz respeito e são, na maioria das vezes, questões correlacionadas. Para facilitar, enumerarei as perguntas, vindo em seguida as respostas.

1. O que é saber pensar?

Saber pensar é uma potencialidade humana e possui relação com a capacidade de aprendizagem. “É a teoria mais prática que existe, ou a prática mais teórica que existe” (DEMO, 2004). Saber pensar é não ter pressa para enquadrar a realidade, memorizar a fórmula, construir a resenha ou o quadro conceitual. É um jogo ousado que exige deslocamento de quem pensa: ir ao encontro do outro e trazer o outro (pessoa, fenômeno...) para si. Jogo que pode ser percebido em sua dimensão de externar e ressignificar as angústias e outros sentimentos, como também pode ser percebido como o jogo por disputa de significados, opiniões e pontos de vistas diferentes. A distinção feita entre pensamento criador e inovador possui o desejo de demarcar o lugar de onde está se refletindo a questão: a sociedade, tipificada por muitos como sociedade do conhecimento, de maneira hegemônica, propõe uma parceria de negócio entre o conhecimento e o capital, parceria que tem se demonstrado uma admirável inovação em determinados campos e uma escandalosa exclusão para parte significativa da humanidade.
A distinção apontada deseja sinalizar que não se está argumentando a partir da lógica predominante do conhecimento moderno que deseja, a qualquer custo, o domínio da natureza, fundado no seu desejo de racionalização extrema de tudo e todos. O pensamento criador parece ser aquele que mergulha na vida (seus mistérios, contradições e inconclusões) como se mergulha no mar e não como se atravessa uma parede de concreto com um potente trator. Muito menos como aquele que atravessa uma ponte bem construída, limpa de horizontes e sem obstáculos. Pelo contrário, o caminho do pensar parece-me errático e tortuoso, condicionado exatamente pela falta de certezas, pela ausência de “um lugar certo” a se chegar.
Santos nos mostra, no trecho abaixo, a relação entre a ação cotidiana e o espaço físico:
A relação do sujeito com o prático-inerte inclui a relação com o espaço. O prático-inerte é uma expressão introduzida por Sartre para significar as cristalizações da experiência passada, do indivíduo e da sociedade, corporificadas em formas sociais e, também, em configurações espaciais e paisagens. Indo além do ensinamento de Sartre, podemos dizer que o espaço, pelas suas formas geográficas materiais é a expressão mais acabada do prático-inerte. (SANTOS, 1997, p. 254).
Freire, pensando a partir da questão da palavra e ocupado de maneira marcante com a questão do diálogo, nos ajuda entender melhor a dimensão do convite que está sendo sinalizado como desafio para o espaço-atividade do ambiente. As palavras podem ser tratadas de forma diferenciada no espaço-atividade, como portadoras de significados ou como palavras vazias. A palavra pode ser dita como um convite, uma porta de entrada para o mundo que mora dentro dela, ou como um enunciado, bem formulado, mas que deixa, quando muito, seus significados, histórias, sentidos para quem a formulou. Na perspectiva apontada e defendida por Freire, a palavra carregada de significado é práxis, “daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo”.
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronuciantes, a exigir deles novo pronunciar. (FREIRE, 1978:92).
O pensar criador gera movimento, aquilo que se apresenta como verdade passa pelo questionamento, o naturalizado vira objeto de problematização e conhecer se apresenta como uma arte exigente, possível para todos e todas, que nos instiga sempre. O pensar criador acorda o conhecimento, planta uma semente de interrogação onde antes morava a arrogância das certezas e que por vezes nos imobiliza ou adormece.
[...] mas antes uma prova da sonolência do saber, prova da avareza do homem erudito que vive ruminando o mesmo conhecimento adquirido, a mesma cultura, e que se torna, como todo avarento, vítima do ouro acariciado [...] (BACHELARD, 1996).

2. O que é saber ler e entender o que se lê?

Eu digo que ler não é só caminhar sobre as palavras, e também não é voar sobre as palavras. Ler é reescrever o que estamos lendo. É descobrir a conexão entre o texto e o contexto do texto, e também como vincular o texto/contexto com o meu contexto, o contexto do leitor [...] Portanto, sou favorável a que se exija seriedade intelectual para conhecer o texto e o contexto. Mas, para mim, o que é importante, o que indispensável, é ser crítico. A crítica cria a disciplina intelectual necessária fazendo perguntas ao que se lê, ao que está escrito, ao livro, ao texto. Não devemos nos submeter ao texto, ser submissos diante do texto. A questão é brigar com o texto, apesar de amá-lo, não é? Entrar em conflito com o texto. Em última análise, é uma operação que exige muito. Assim, a questão não é só impor aos alunos numerosos capítulos de livros, mas exigir que os alunos enfrentem o texto seriamente. (FREIRE, SHOR. 1986: 22).
Tal dinâmica pode ser reforçada pela a ideia do pós-ocupado (quem sabe um outro mito da pedagogia). Kosik (1976), a partir da ideia de Heidegger sobre a questão do preocupado, nos alerta que, ao extremo, não somos portadores de preocupações, mas elas “nos possuem”. A inversão proposta pelo autor é mais do que um jogo de palavras. A preocupação, segundo ele, é o mundo (seus significados, exigências, etc) dentro do sujeito. Dessa forma, o sujeito se ocupa sem pensar no que está ocupado, já que, ao mesmo tempo em que se ocupa com algo se encontra preocupado com outra coisa.

3. Procede a afirmação de que uma pessoa idosa tem menor poder de compreensão na leitura e por isso distorce fatos e torna-se agressiva?

Não sou especialista em geriatria, mas creio que depende do estado físico e mental do idoso, da sua intelectualidade e universo cultural. Por expressar conceitos básicos de uma área do conhecimento, pode ser difícil, ou mesmo impossível, escrever sobre determinado assunto sem o domínio da terminologia. Por exemplo: seria complicado falar de Genética sem usar a palavra "gene" ou outra que a substitua. Do mesmo modo, o leitor precisa dominar a terminologia para entender o texto.
A terminologia específica é a característica mais marcante da linguagem conceitual, principalmente na linguagem das Ciências Exatas e Biológicas. As ciências buscam uma linguagem universal que expresse uma compreensão totalmente objetiva da realidade. Para isso, são usados termos precisos, que procuram garantir a exatidão do conceito. Embora esse seja um procedimento válido, ele limita o número de leitores que precisam dominar a terminologia para poder entender o que se escreve ou lê. Dessa forma a distorção da realidade e o deslocamento da agressividade para outros podem ser minimizados.

4. O que é ortografia e acordo ortográfico? É o mesmo que literatura?

“Orto” é um prefixo de origem grega que significa direito, reto, exato (correto).
“Grafia” também de origem grega, significa a ação de escrever.
Assim, a ortografia estuda a ação de escrever de forma correta, através do emprego adequado das letras e sinais gráficos.
Acordo Ortográfico: está na mídia. Sugiro que leia o DECRETO Nº 6.584, de 29 de setembro de 2008 - DOU 30.9.2008.
Literatura: assim como a música, a pintura e a dança, a Literatura é considerada uma arte. Através dela temos contato com um conjunto de experiências vividas pelo homem sem que seja preciso vivê-las.
A Literatura é um instrumento de comunicação, pois transmite os conhecimentos e a cultura de uma comunidade, de um povo. O texto literário nos permite identificar as marcas do momento histórico-social em que foi escrito.
As obras literárias nos ajudam a compreender as mudanças do comportamento do homem ao longo dos séculos, e a partir dos exemplos, refletir sobre nós mesmos.
Um texto literário apresenta:
-Ficcionalidade: os textos não fazem, necessariamente, parte da realidade. - Função estética: o artista procura representar a realidade a partir da sua visão. - Plurissignificação: nos textos literários as palavras assumem diferentes significados. - Subjetividade: expressão pessoal de experiências, emoções e sentimentos.

5. O que é Ética?

Ética é algo que todos precisam ter. Alguns dizem que tEm.
Poucos levam a sério. Ninguém cumpre à risca...
(Prof. Vanderlei de Barros Rosas )

6. Foi você quem escreveu a história da Literatura Brasileira?
( Risos)! Claro que não! Escrevo alguns artigos baseados na sua história.

7. O que é narcisismo?

Diz o mito, que Narciso era um homem tão belo que ao olhar seu reflexo na água apaixonou-se de imediato e ali ficou se admirando e definhando até morrer.Vendo por este lado, penso eu que narcisista é uma pessoa que ama mais a si do que qualquer outra coisa no mundo.
Muitas vezes, ouvimos falar de narcisismo de uma maneira pejorativa. Mas, o narcisismo é uma condição natural. Um certo narcisismo é fundamental para nossa vida. É uma espécie de amor próprio, um amor inato por nós próprios e que parece existir desde os primeiros dias de vida. Gostar de si mesmo, cuidar-se, arrumar-se e ter uma boa auto-estima é um processo fundamental para irmos em frente com algum sucesso. É um sinônimo da ligação saudável com a vida.
Mas, como tudo que é demais vira problema, o narcisismo, uma condição normal e saudável, pode se transformar numa doença séria que quase sempre leva o indivíduo à auto destruição.
O narcisista doentio tem obsessão por fantasias de sucesso ilimitado: Tais pessoas têm obsessão por fantasias de sucesso ilimitado, fama, poder ou onipotência. Muitos querem parecer brilhantes (O narcisista intelectual), outros buscam obstinadamente a beleza corporal ou então, a performance sexual brilhante (O narcisista corporal), ou o narcisista moral que busca o amor ou a paixão eterna (ideal). A convivência com eles pode ser um transtorno indescritível. E há os exploradores - Nas relações interpessoais, são exploradores, ou seja, usam os demais para alcançarem seus objetivos. Por não conseguirem produzir idéias e executar coisas, sentem-se impotentes e dessa forma, aliam-se às demais pessoas que admiram e as exploram. No caso de Jason, dessa edição, há um exemplo claro desse tipo de exploração. mas o narcísico é alguém sempre disposto a tirar "vantagem"dos outros.

8. O que é logosofia?

A Logosofia é a ciência do presente e do futuro, porque encerra uma nova e insuperável forma de conceber a vida, de pensar e sentir, tão necessária na época atual para elevar os espíritos acima da torpe materialidade reinante.
Da Sabedoria Logosófica

BIBLIOGRAFIA

1. BACHELARD, Gaston. A Formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
2. BAKHTIN, Mikhail (V.N. Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo : Hucitec, 1997.
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3. BOFF, Leonardo. Saber cuidar – ética do humano-compaixão pela terra. Petrópolis. RJ: Vozes, 1999.
4. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989.
5. BUENO, Francisco da Silveira. Grande dicionário etimológico – prosódico da língua portuguesa. São Paulo : Saraiva, 1968.
6. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de; NETTO, José Paulo. Cotidiano: conhecimento e crítica. 5ª Ed. São Paulo: Cortez, 2000.
7. DEMO, Pedro. Conhecimento moderno – Sobre ética e intervenção do conhecimento. 3ª Ed. Petrópolis, Vozes, 1999.
___________. Saber pensar. Acesso em 27/04/05.
___________. Saber pensar. 4ª Ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2005.
8. DUBOIS, Jean. Dicionário de lingüística. São Paulo : Cultrix, 1973.
9. ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998.
10. ECO, Umberto. Conceito de texto. São Paulo : T.A. Queiroz, 1984.
11. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª ed. São Paulo : Nova Fronteira,1986.
12. FIORIN, José Luiz, SAVIOLLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo : Ática, 1997.
13. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
____________. SHOR, Ira. Medo e ousadia – o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
14. FREIRE, Madalena (Org.). Rotina: construção do tempo na relação pedagógica. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1998.
_____________. Avaliação e Planejamento – a prática educativa em questão – Instrumentos Metodológicos II. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1997.
15. GRANATIC, Branca. Técnicas básicas de redação. São Paulo : Scipione, 1995.
16. GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto. São Paulo : Ática, 1992. ALVES, Rubem. Um céu numa flor silvestre – a beleza em todas as coisas. Campinas, SP: Verus Editora, 2005.
17. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1990.
18. KOSIK, karel. Dialética do Concreto. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
19. LAROSSA, Jorge. Nota sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação (ANPED). nº 19, ano 2002. Campinas, SP: Autores Associados. Páginas 20-28.
20. LOUREIRO, Cláudia. Classe, controle, encontro: o espaço escolar. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.
21. MARIZ, Ricardo. O catador de pensamentos. Revista Linha Direta. Ano 6, n° 59, fev. 2003.
22. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Centauro Editora, 2002.
23. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – cinco lições -Editora Bertrand Brasil, 1989.
24. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
25. SANTOS, Milton. A natureza do espaço – técnica e tempo, razão e emoção. 2ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec. 1997.
26. SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. São Paulo : Globo, 1992.
27. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Praxis. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1986.
28. WAGNER, Helmut R. (Org.). Fenomenologia e relações sociais – textos escolhidos de Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1979


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sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O Poeta de Almas Raras


"...Uma poesia depurada, silenciosa construída com uma destreza artesanal no lidar com a língua habitada por certo sentido clássico. Coerente com sua postura estética, sua forma é perfeita, demonstrando habilidade de versificação e pureza da língua. Sua poesia não é superficial como visão do homem, pois não se detém na camada superficial das cores, dos sons, mas mergulha nas angústias e prazeres do ser humano.
Jacob possui uma habilidade impressionante para lidar com as palavras. Ou melhor, uma volúpia pelas palavras e suas múltiplas possibilidades sonoras, visuais e semânticas… Dificilmente se desvia do verso decassílabo para o verso alexandrino ou para o hendecassílabo. Neste livro ele trabalha exaustivamente com o decassílabo, criando sonetos, quadras e sextilhas de fôlego, dentro de apuradas e inéditas temáticas, trazendo para a tradução dos seus versos temas subjetivos, místicos e filosóficos para compreensão imediata do seu leitor.
O verso alexandrino ou o hendecassílabo não exclui o poeta de sensibilidade fina que se derrama em notas líricas de uma fluência sempre renovada... Quanto ao conteúdo, a obra agrada e emociona pela sensibilidade do poeta ao tratar dos mais variados temas do cotidiano, pela sua sinceridade e, sobretudo, pela dedicação à família, especialmente à infância. Chama atenção a religiosidade do poeta pela sua reiterada profissão de Fé em Deus. É bom que nesse mundo conturbado existam as Almas Raras, cuja representatividade maior está no poeta José Antonio Jacob! Almas Raras de José Antonio Jacob é um livro de suma importância para o meio literário brasileiro, que este apressado e impreciso comentário nem de longe sonha registrar. Vale a pena a sua leitura!..."
Maria Granzoto da Silva
Academia de Letras Artes e Ciências Centro - Norte do Paraná e Professora Universitária
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Um pouco de José Antonio Jacob
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Delírios de Maio
José Antonio Jacob)
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Estou triste outra vez é o mês de maio,
Por que não abro a minha porta e saio?
Fico da greta espiando na calçada,
Vejo lá fora a tarde sorridente,
As pessoas alegres e eu descrente,
Não sei por que não creio mais em nada!
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E isto num mês tão lindo, um mês de flores,
Época das promessas, dos amores,
Dos feriados que a Igreja comemora.
Dos anjinhos com asas de algodão,
Pequenos pajens que em cortejo vão,
Piedosos, a coroar Nossa Senhora.
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Soa o sino seis vezes, dá-me pena!
Vejo uma moça saindo da novena
Enrolando um tercinho no seu dedo,
Ah! Como ela é bonita e tão viçosa!
E vai, qual uma delicada rosa,
Desfiando os seus espinhos em segredo.
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E mais atrás vem um grupo de beatas,
Felizes criaturinhas de alpargatas,
Encurvadinhas, rindo, coitadinhas...
Elas voltam das rezas, aliviadas,
As suas penas já foram perdoadas...
Mas que pecado atinge essas santinhas?
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E o suave som da doce ave-maria
Espanta um caburé, que voa e pia,
Depois vem repousar no meu telhado.
Xô, daí, mau agouro! Espanto o Azar
Que num sobrado em frente vai pousar,
E eu fico no meu canto sossegado.
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No adro da igreja um homem queima fogos,
Abre a feira de doces e de jogos,
Bem em cima da sombra do Cruzeiro.
E acima disso Jesus Cristo entende,
Que, ainda hoje, o Judas Iscariotes vende
O Signo do Amor por qualquer dinheiro.
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Dois cegos de mãos dadas nas beiradas,
Ficam girando as córneas azuladas,
E um coxo sai pulando feito mola,
Tentando andar ao lado do prefeito,
Para que todos vejam seu defeito:
No chão uma mulher pede-lhe esmola...
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De um poste o alto falante da quermesse
Anuncia uma música e uma prece,
Hora do Ângelus cai a tarde morta...
E lá no céu os anjos fazem coro,
Dentro de casa escuto a voz de choro
De uma criança faminta em minha porta.
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Eu sofro da alma e tenho essa moléstia,
Que encurva o meu espírito em modéstia,
E que me parte o coração de pena...
De esse acanhado olhar que não me estranha,
Que me chama, me pede e me acompanha,
E me implora com sua voz pequena.
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Chego à janela e fico pensativo
(Decerto que pareço um morto e vivo)
Com meu dedo no queixo a resmungar...
E quando o riso alegre de uma criança
Repuxa no meu rosto uma esperança,
Apago a luz para ninguém notar.
...
Fico dali olhando a noite clara,
Não gosto de mostrar a minha cara
E aconcho as mãos no rosto feito um jeca.
Uma jovem senhora dobra a esquina,
Ela vem embalando uma menina,
E a menina embalando uma boneca...
...
Um tipo estica um pano na calçada,
E abrindo um jogo com carta marcada,
Puxa um curioso para ser parceiro...
A aposta corre livre à luz da lua,
Passa um soldado, que atravessa a rua,
Para não molestar o trapaceiro.
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As bombas de artifício estouram o ar,
Derramando mais cores neste luar,
E a meninada corre para vê-las...
Inclino-me à janela, mais um pouco,
E encanto-me de ver um ébrio louco
Declamando Camões para as estrelas.
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Duas moças que passam batem palmas,
E o bêbedo, com três manobras calmas,
Dobra os joelhos na rua iluminada...
E elas seguem sorrindo divertidas,
E vão levando suas jovens vidas
Para o destino incerto da calçada.
...
Passeio na Cidade
(José Antonio Jacob)
...
Desço à cidade a tarde é clara e linda,
E para anoitecer é tão cedo ainda...
Faz tempo que não chove e que não venta.
Eu gosto da indolência e amo a preguiça,
E piso leve, em passo de cortiça,
Na minha sombra que se estica lenta.
...
Espicho o olhar... a rua é tão comprida!
E lá no fim da rua existe vida...
No meu caminho nunca usei atalho,
Eu ando devagar feito o verão,
Que passa como as horas de trabalho,
No relógio de ponto do patrão.
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Reparo nos olhares que desbotam
E as pessoas que passam nem me notam...
Sinto-me triste como um velho lobo...
Tento saudar alguém e nem sei aonde,
Nenhum aceno amigo me responde,
E eu sorrio sozinho feito um bobo.
...
Sigo adiante querendo me alegrar
E olho vitrinas, sem poder comprar,
E o meu olhar comprido se despoja.
Todo dia que eu passo por aqui,
De dentro da vidraça de uma loja,
Um manequim de massa me sorri.
...
Eu devolvo o sorriso mais contente:
- Esse boneco tem alma de gente
E se veste com roupas pitorescas!
E aqui fora há pessoas amontoadas,
Por cima dos balaios nas calçadas,
Onde os fruteiros vendem frutas frescas.
...
Enquanto, adiante, um mágico de fraque,
Tremendo a boca, o queixo e o cavanhaque,
Puxa um coelho de dentro do embornal,
Um velho charlatão calvo apregoa
Que a sua droga é uma pomada boa
Para curar calvície ou um outro mal...
...
Eu atravesso a rua e o tempo passa,
E nesse tempo eu chego numa praça
Onde os pintores pintam suas telas.
Que coisa linda!... e num banco me assento.
Quem me dera eu tivesse esse talento
De expressar-me pintando coisas belas!
...
A tarde cobre o céu como um lençol,
Detrás do morro já suspira o sol
Seu último bocejo vespertino.
Eu sempre fico triste nessa hora,
De ver essas pessoas indo embora,
Seguindo cada qual o seu destino...
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“Sinônimo de Poeta, Logomarca da Poesia”
José Antonio Jacob, sinônimo de poeta, logomarca da poesia. Tive o prazer de conhecê-lo e me tornar seu amigo, horas infindáveis falando de hai kais, sonetos, versos brancos, saudades, esperanças, música e noites de lua. Todos os temas que rimam com a beleza da vida.
Ele é ainda a “alma calma...é aquele menininho sossegado / que brinca de guerreiro no jardim”, como finaliza um dos seus sonetos, “Carretéis”, para mim um dos mais belos e sensíveis da língua portuguesa, digno de figurar em qualquer antologia.
Nesta pequena-grande obra-prima ele fala também de premeditações das brigas, recrutando soldados para vencer armadas inimigas em longa fileira de formigas. Mas o que ele premeditou mesmo foi colocar-se a serviço das Musas. Não duvido que, no momento em que o Criador definiu a vinda dos poetas para a terra, de alguma forma ele burlou o esquema e se colocou nos primeiros lugares da fila.
José Antonio Jacob, sinônimo de poeta, logomarca da poesia, é mesmo a alma calma e sensível, de apurado senso estético e social despejado nos versos de refinado romantismo, premeditados para atingir os espíritos evoluídos, neste mundo tão mecanizado a carecer de afeto e humanismo.
Falar mais é pleonasmo. Ele mantém presente o princípio. É o verbo literalmente fluindo em poesia.
Belo Horizonte, 2001.

Geraldo Elísio Machado Lopes
Jornalista, poeta e ex-secretário adjunto de Cultura do Estado de Minas Gerais
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Carretéis
(José Antonio Jacob)
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Nem bem o sol abria os seus bordados
De luminosas cores, entre as bigas
De carretéis e fósforos usados,
Eu já premeditava as minhas brigas.
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Para vencer armadas inimigas,
Eu perfilava de olhos encantados,
Um exército imenso de soldados,
Numa fileira longa de formigas.
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O que passou da vida eu não senti,
O tempo inteiro eu fui ficando ali
Nos digitais alegres do passado.
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Esta alma calma, que ainda vive em mim,
É aquele menininho sossegado
Que brinca de guerreiro no jardim.
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(Do livro Almas Raras ed.artculturalbrasil - 2007)


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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

o vira-lata

Maria Granzoto da Silva
Editora de Literatura Brasileira do artculturalbrasil

O vira-lata
(José Antonio Jacob)

Ele aparece sempre de repente,
Na ruazinha ainda ensolarada,
Esmiuçando o chão à sua frente:
De vez em quando volta e fita o nada.
E logo vai adiante novamente
Em gesticulação mais animada,
Quando numa caçamba ele pressente
Ter encontrado um mimo na calçada.
Então vira o latão enferrujado
E, ali, remexe um sujo guardanapo
Que alguém deixou com resto de comida.
Depois, vai removendo, com cuidado,
Pedaço por pedaço, fiapo a fiapo,
De uma migalha que sobrou da vida.
...
Este belo e comovente soneto de José Antonio Jacob intitulado “ O Vira-Lata ” é um poço de reflexões sobre o Homem, a Existência e o Destino! Lembro-me que Rita Bello (site Alma de Poeta) passou noites e noites em busca de uma formatação adequada ao tema e que, eu, na minha ignorância na arte da formatação, propus-me em ajudá-la. Pobre pretensão: virei o próprio vira-lata!

- O TÍTULO

Iniciemos pelo título: um nome composto – privilégio da nobreza! Vira-lata especial, pois é definido pelo artigo. Somado a um verbo incoativo (verbo que implica uma transição, ou seja, uma mudança de estado ou característica; em outras palavras, qualquer verbo que possa ser substituído por uma expressão formada pelo verbo virar ou tornar-se). E vem o hífen, sinal diacrítico usado para ligar os elementos de palavras compostas, como é o caso. Em seguida, a lata, um substantivo que, a minha imaginação teima em associar ao “latir”.
O termo vira-lata deriva do fato de muitos desses animais, quando abandonados, serem comumente vistos andando famintos pelas ruas revirando latas de lixo em busca de algum alimento. O vira-lata é definido pela Veterinária pela sigla SRD ( sem raça definida ).
- O SONETO

“Ele aparece sempre de repente,/Na ruazinha ainda ensolarada,/Esmiuçando o chão à sua frente:/De vez em quando volta e fita o nada.”

Um vira-lata sempre parece saber para onde vai, com seu passo decidido. E, se parado, aparenta a solidez de quem está no devido lugar, na hora certa. Os humanos, por mais que saibam para onde ir, sempre têm esse ar um tanto patético dos perdidos no mundo. Parados, mal sabem onde pôr as mãos. Talvez, por isso, inventaram os bolsos... ”Esmiuçando o chão...” esmiuçar, que é uma palavra que gosto; quem já esmiuçou, por exemplo, um formigueiro? Esmiuçar o chão deve levar-nos a grandes descobertas! É uma coisa que gosto de fazer quando não me apetece fazer mais nada. E “fitar o nada” é maravilhoso! Desprende-se de tudo e de todos! E quando é mais nada é mesmo mais nada. O conceito de nada se refere à inexistência de qualquer coisa. No nada não existe nem o espaço, isto é, não há coisa alguma e nem um lugar vazio para caber algo. O conceito de nada inclui também a inexistência das leis físicas que alguma coisa existente obedeceria, dentre elas a conservação da energia, o aumento da entropia e a própria passagem do tempo. Sendo o espaço o conjunto dos lugares, isto é, das possibilidades de localização, sua inexistência implica na impossibilidade de conter qualquer coisa. Isto é, não se pode estar no nada. O nada é, pois, um não-lugar. Da mesma forma, sendo o tempo algo que decorre do movimento daquilo que existe, no nada não há decurso de tempo.
De acordo com o modelo padrão da Cosmologia (o Big Bang), o Universo surgiu de uma singularidade primordial que, no instante zero, iniciou sua expansão, gerando tudo o que existe, inclusive o tempo e o espaço. Nesta singularidade estava todo o conteúdo de matéria-energia que existe. A Cosmologia Física não faz referência ao que poderia haver antes que essa singularidade iniciasse sua expansão nem sobre sua origem. Uma das possibilidades é a de que, antes, não houvesse coisa alguma, nem vácuo, nem energia, nem leis físicas, nem espaço vazio para se ter alguma coisa e nem mesmo decurso de tempo. Seria, pois, o nada.
Por definição, quando se fala de existência, se fala da existência de algo. O nada não é coisa alguma, logo não existe. O nada é um signo, uma representação linguística do que se pensa ser a ausência de tudo. O que existe são representações mentais do nada. Como uma definição ou um conceito é uma afirmação sobre o que uma coisa é, o nada não é positivamente definido, mas apenas representado, fazendo-se a relação entre seu símbolo (a palavra "nada") e a idéia que se tem da não-existência de coisa alguma. O "nada" não existe, mas é concebido por operações de mente. Esta é a concepção de Bergson, oposta à de Hegel, modernamente reabilitada por Heidegger e Sartre, de que o nada seria uma entidade de existência real, em oposição ao ser.
Matematicamente o conceito de nada é equivalente ao de "conjunto vazio", que é o conjunto que não possui elementos, mas é um elemento do conjunto dos subconjuntos de um conjunto. Assim o "nada" seria um dos elementos do "tudo", ou do Universo. Esta concepção, aplicada à física, todavia, não possui base fenomenológica sustentável.

“E logo vai adiante novamente/Em gesticulação mais animada,/Quando numa caçamba ele pressente/Ter encontrado um mimo na calçada.”

E o SRD fita o nada, ainda que não saiba nada. Os homens é que precisam definir tudo. E, assim, os cães de raça, com suas designações pomposas e pedigrees, podem ser escolhidos por seus donos, criteriosamente. O vira-lata, por sua vez, prefere e sabe fazer escolhas ele mesmo. Sem árvore genealógica, atravessa a rua sozinho e consegue comida com sua humilde auto-suficiência: é o “mimo na calçada”... As agruras da sarna, dos atropelamentos e das pedradas é que dão fibra à sua alma.

“Então vira o latão enferrujado/E, ali, remexe um sujo guardanapo/Que alguém deixou com resto de comida.”

O cão vira-lata lembra-me a sombra do homem faminto, que vive virando a lata imunda do mundo. Manuel Bandeira viu certa vez um homem fuçando uma lata de lixo num pátio. Com esse material mínimo escreveu uma poesia (O bicho), muito admirada também num determinado setor das universidades de Roma e de Pisa. Roma! Os palácios vermelhos de Roma! Pisa! A lâmpada de Galileu! As romanas! As pisanas! O Vira-Lata “vira o latão enferrujado...” Pois é! Em Roma, a lata de lixo, outrora sórdido caixote (salvo para os vira-latas), transformou-se hoje num elegante objeto de plástico, em geral azul, perfeita esfera. Não é fácil ver-se o lixeiro e nem vira-latas. O lixeiro é um personagem kafkiano, quase marciano. Deixa-se a lata do lado de fora, e ele, pisando com pés de lã, invisível aos olhos mortais, discreto, obediente, esvazia a esfera azul. E usa luvas! Igualzinho num País chamado Brasil!

“Depois, vai removendo, com cuidado,/Pedaço por pedaço, fiapo a fiapo,/
De uma migalha que sobrou da vida."



-CONCLUSÃO

Reparem naqueles que nunca tiveram um vira-lata. Parece que lhes falta algo. O sorriso, talvez, tenha menos de rabo abanando em seus componentes e mais de tédio e fleuma, ou coisa assim. O vira-lata ensina a ser feliz com pouco. Mesmo quem não tem nada pode ter um cão, desde que ele deixe. O bêbado e o louco conversam com um vira-lata de igual para igual. Ao menos esses conseguem se alçar à altura do cão. E este lhes lambe as mãos.Veja a procissão de cães atrás de uma única cadela. Dinastias inteiras de vira-latas foram fecundadas e fundadas em madrugadas quando até o amor, esse item em extinção, era dividido. Vira-latas há aos montes por aí. E não tem um que seja igual ao outro. Parecidos, às vezes. Em sua miscelânea genética, ele é antes de tudo um forte. Nunca precisou de vacina pra sobreviver.
Quando perguntam por aí: se você fosse um bicho qual seria? Todos respondem coisas como águia, leão ou tigre. Eu demorei pra descobrir, mas hoje eu respondo de boca-cheia.
Se eu fosse um bicho, eu seria um vira-lata. Desses amarelos, haja vista a cor dos meus cabelos!

Mais um envolvente soneto de Jacob, aparentemente tão simples, mas carregado de cultura, de sabedoria! Basta ser um vira-lata para comprovar!

Maria Granzoto da Silva - Editora Literária artculturalbrasil



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